É interessante o efeito que a ficção tem. Ontem eu vi minha mamãe ficar tão decepcionada pelo fato de Ben-Hur não estar realmente na Bíblia, nem ter existido ( na verdade, é um história fictícia escrita no século XIX ambientada no tempo de Cristo) quanto eu fiquei quando percebi que não ia mais receber minha cartinha de Hogwarts ou quando eu descobri que a Milena que sonhava em vender arte na praia com as coisas que a natureza dá para gente é uma personagem interpretada por uma atriz.
Mamãe, sempre tão pé no chão, disse com todas as letras que preferia continuar acreditando que já existiu um bondoso príncipe, belo, recatado e do lar, chamado Judah Ben-Hur. Um príncipe que viveu uma bela história de superação, compaixão e busca por significado na vida. Enquanto eu ainda queria ter a ilusão de que a Milena realmente sonha em vender arte na praia com o seu jeitinho. As vezes, até queria acreditar que um dia o Hagrid me resgatará e me levará para Hogwarts ou que posso descobrir que meu guarda-roupa pode me transportar para Nárnia. Ficaria feliz até por um dia acabar encontrando um sítio do pica-pau amarelo, no qual vive uma boneca falante e pensante e, com sorte, é possível até encontrar sereias e todo um ecossistema subaquático que fala a língua humana.
A partir desse ponto, muitos dirão que talvez uma das principais funções da ficção é o escapismo, que possibilita viver tantas vidas e aventuras que nem sempre a realidade permite. E quando mais jovem, realmente essa função era importante para mim. Contudo, hoje prefiro pensar no quanto a ficção se relaciona com a realidade. Talvez nunca tenha existido um príncipe chamado Judah Ben-Hur, mas talvez vários plebeus e nobres tenham vivido histórias similares. Sem falar que o contexto político da obra ainda é muito atual e reflexivo.
Provavelmente nunca encontrarei uma sereia, mas já encontrei garotas e garotos tão fascinantes que não duvido que, quando ninguém está olhando, se dispam de suas pernas humanas para desbravar os lagos e oceanos com sua verdadeira forma. Posso não ter recebido minha cartinha de Hogwarts, mas para bom observador romanceador da realidade, não é difícil encontrar magia por aí.
Então, talvez mais que para escapismo, a ficção ajude a enxergar melhor a realidade e quão incrível ela pode ser, mesmo que de uma forma diferente ou até melhor, a depender do ponto de vista.