segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Época de ressaca

(Obs: poesia originalmente criada em novembro de 2021)

Estou cansada de tudo 
Exausta de luto 
Todo meu corpo dói 
A conjuntura política corrói 

Saudável de corpo 
Doente de alma 
Não tem como ficar calma 
Como tanto novo morto 
A cada segundo 
Morte fruto de profundo 
Genocídio à luz do dia 
Genocídio à luz da noite 
Assistir jornal é uma agonia 
Que parece vinho de açoite
 
Embebedamo-nos de notícias ruins 
Pois é o que tem em todo Brasil 
Parece um cemitério de fins 
que nos entorpece 
embaixo de um céu de anil 
Com uma podridão que fede 
a corrupção, a psicopatia, 
a falta de humanidade, 
a inflação no mercado, 
a miséria em todo lado, 
a gado em histeria, 
a incompetência tragicômica 
um tanto vômica 
que gera destruição socioeconômica.

Meu corpo sente a dor de cabeça 
de tantas ruins notícias sem sutilezas.
Meu corpo sente a ressaca 
de um país apodrecido.
Desempregados sem vaga.
Miséria sem abrigo.
Trabalho precarizado.
Inflação, destruição, 
patrimônio cultural dilacerado.
Medo das mortes de amanhã. 
Ressaca, que se sente de noite e de manhã.

Mas assim como toda ressaca 
uma hora passa  
Espero que essa desvaneça 
com o fim de uma triste era 
de tristeza e destruição à beça 
como uma peça
de estupidez 
engolida em um jogo de xadrez.

Apesar de saber 
que as cicatrizes 
são eternas
como o viver e morrer, 
matrizes, 
de violentas e ternas 
histórias da humanidade 
na eternidade. 

segunda-feira, 3 de julho de 2023

Flores do coco alagoano

Sabemos que existem as dores
Sabemos que existe o descaso
E ainda a injustiça inimiga
no poderoso lado

Refrão(X3)Mas sabemos que existem as flores
Que atravessam a náusea
que atravessam as dores
e as tristezas pátrias

Como os rebeldes selvagens
que mudam o mundo
de modo profundo
além de todas as margens.

Pois sabemos que existem as flores,
que atravessam a náusea,
que atravessam as dores 
e as tristezas pátrias(X2). 

domingo, 14 de maio de 2023

"[...]mas entre o nascimento e a morte há a vida" - Uma homenagem ao piano Jude

Depois de 6 meses de tentativas na assistência, tive confirmação da notícia que não queria ouvir: o filho e objeto que mais amei nos últimos 12 anos e meio está com morte cerebral de difícil recuperação. Vítima da obsolescência programada: a placa-mãe dele só foi fabricada até 5 anos anos depois do lançamento. É impossível comprá-la nova. É improvável comprá-la usada em bom estado. O piano que parecia imortal teve o cérebro oxidado por maresia, tempo e uma sentença de placa-mãe descontinuada.
Não sei o que a Simone de Beauvoir acharia de alguém utilizar uma citação de "Todos os homens são mortais" como título de homenagem a um piano que não teve a imortalidade de Fosca, mas teve a eternidade dos momentos que ardem. Também não sei como soa homenagear um piano, mas considerando tudo o que vivemos, sei que ele merece todas as homenagens.
Jude entrou em minha vida como um sonho realizado. Eu desejara um piano desde quando comecei a me entender por gente, época na qual ganhei um tecladinho de duas oitavas em meia, onde passei manhãs, tardes e noites brincando com sons. Depois de algum tempo de insistência, passei a ter aulas e ganhei um teclado de iniciante de 5 oitavas sensíveis (meu primogênito, Wishmaster). Quando finalmente tinha provado que queria realmente muito tocar, recebi a autorização para procurar meu futuro piano.
A procura foi mais longa do que o esperado, afinal tinha pouca opção nas lojas de minha cidade e tive que tatear a imensidão virtual. Foram alguns meses pesquisando infindáveis modelos de piano digital até encontrar o modelo perfeito. Foi amor à primeira ouvida. O escolhido era mais do que tinha desejado no início da jornada: teclas pesadas com repetição rápida (uma das tecnologias mais avançadas da época), móvel em madeira de jacarandá, centenas de timbres, gravação em até 16 pistas de MIDI e WAV, possibilidade de amplificar e gravar outros instrumentos, além de criar batidas ritmicas. Quase um pequeno estúdio em 8 oitavas.
Quando finalmente o recebi, batizei de Jude - pois era uma garotava que amava (e ama) os Beatles - e o coloquei no quarto que fora de minha incrível e sensacional vovó, como uma homenagem. Quando estava triste, as vezes, realmente parecia que Jude me falava "Hey, Lary, don't make it bad. Take a sad song and make it better". Jude também me falava outras coisas através de notas e musicalidades infinitas. Ensinou-me a expressar todo tipo de emoção, inclusive as inefáveis.
Jude sempre foi paciente comigo na imaturidade e no crescimento. Acolheu-me igualmente nos acertos e nos erros. Afinal, erros fazem parte das caminhadas da vida. Erros fazem parte da prática. Jude dialogava comigo através de uma linguagem mais plena, onde as notas dançam com os sentimentos e tudo o que existe de humanidade. Ensinou-me a relacionar-me com as músicas até conhecê-las bem, até culminar em relacionamento íntimo. A primeira vez que se toca uma música, o intérprete conhece sua forma e sua melodia, como uma pessoa que cumprimentamos pela primeira vez. Após vários momentos juntos vamos conhecendo o que pessoas e músicas tem na alma, até sentirmos o âmago mais profundo. Algumas músicas são mais rápidas de serem sentidas, outras exigem serem tocadas muitas vezes até permitirem mergulhos mais profundos em seus mares de sons, emoções e transcendentalidades. Esses relacionamentos íntimos são essensicais para conhecer as músicas e para expressá-las em plenitude.O intérprete e a música em um único ser.
Como se tratava de amor verdadeiro, eu e Jude nos amavámos no imperfeito e no perfeito, na inexperiência e no aprendizado, no desespero e na alegria, na dissonância e na harmonia, no popular e no erudito. Jude amou-me até nas minhas tentativas com a escola pentatônica japonesa e nas tentativas de bossa nova que mais pareciam polkas. Amou-me também nas odisseias musicais, nas experiências aleatórias e quando eu conseguia tocar alguma música que outrora parecia impossível. Jude estava comigo em todas as fases e me amava independente do meu estado de humor. Construímos casas, palácios, utopias realizadas, planetas, universos e infinitos em formatos musicais. Pianista e piano. Mãe e filho amado.
Rita Lee cantou que "amor é sorte" e sei que tive muita sorte em nascer em uma família musical, com mamãe e vovó maravilhosas (as melhores do mundo), ter sido mãe de Jude e ter tido um exímio professor de piano conceituado. Porém, mais uma vez, junto com a arte da perda, aprendo a lição de Jobim e Moraes:" A felicidade é como a gota/De orvalho numa pétala de flor/ Brilha tranquila/Depois de leve oscila/E cai como uma lágrima de amor".
A separação de Jude foi tão inesperada que não teve um último adeus. Não teve exatamente uma despedida. O mundo sem Jude não parece o mesmo. Deparo-me com escolhas difíceis para as quais não estava preparada. Dor. A memória de Jude parece um santuário de músicas e transcendências. Depois de meses de agonia, sinto que ele de algum modo me diz que a vida tem que continuar e ainda tenho muito o que tocar. Ele sabe que sempre será amado e não tem ciúme do recomeço, como a noite cantando uma canção de ninar. 

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Crônica da realidade e da ficção

(Originalmente publicado em 19 de setembro de 2016)

É interessante o efeito que a ficção tem. Ontem eu vi minha mamãe ficar tão decepcionada pelo fato de Ben-Hur não estar realmente na Bíblia, nem ter existido ( na verdade, é um história fictícia escrita no século XIX ambientada no tempo de Cristo) quanto eu fiquei quando percebi que não ia mais receber minha cartinha de Hogwarts ou quando eu descobri que a Milena que sonhava em vender arte na praia com as coisas que a natureza dá para gente é uma personagem interpretada por uma atriz. 

Mamãe, sempre tão pé no chão, disse com todas as letras que preferia continuar acreditando que já existiu um bondoso príncipe, belo, recatado e do lar, chamado Judah Ben-Hur. Um príncipe que viveu uma bela história de superação, compaixão e busca por significado na vida. Enquanto eu ainda queria ter a ilusão de que a Milena realmente sonha em vender arte na praia com o seu jeitinho. As vezes, até queria acreditar que um dia o Hagrid me resgatará e me levará para Hogwarts ou que posso descobrir que meu guarda-roupa pode me transportar para Nárnia. Ficaria feliz até por um dia acabar encontrando um sítio do pica-pau amarelo, no qual vive uma boneca falante e pensante e, com sorte, é possível até encontrar sereias e todo um ecossistema subaquático que fala a língua humana. 

A partir desse ponto, muitos dirão que talvez uma das principais funções da ficção é o escapismo, que possibilita viver tantas vidas e aventuras que nem sempre a realidade permite. E quando mais jovem, realmente essa função era importante para mim. Contudo, hoje prefiro pensar no quanto a ficção se relaciona com a realidade. Talvez nunca tenha existido um príncipe chamado Judah Ben-Hur, mas talvez vários plebeus e nobres tenham vivido histórias similares. Sem falar que o contexto político da obra ainda é muito atual e reflexivo. 

Provavelmente nunca encontrarei uma sereia, mas já encontrei garotas e garotos tão fascinantes que não duvido que, quando ninguém está olhando, se dispam de suas pernas humanas para desbravar os lagos e oceanos com sua verdadeira forma. Posso não ter recebido minha cartinha de Hogwarts, mas para bom observador romanceador da realidade, não é difícil encontrar magia por aí. 

Então, talvez mais que para escapismo, a ficção ajude a enxergar melhor a realidade e quão incrível ela pode ser, mesmo que de uma forma diferente ou até melhor, a depender do ponto de vista.

sábado, 9 de maio de 2020

O inferno da Macabra Comédia



Meus inimigos começaram dizendo que varreriam os vermelhos.

Em um primeiro momento, vermelhos
eram entendidos como todos, com ou sem labareda,
que se consideravam de esquerda,
principalmente os vivos que tentaram melhorar algo
no meu país tão maltratado
e a memória
de grandes que edificaram com glória
campos floridos universais
com ares de eternidade e igualdade
nas áreas da filosofia, arte e educação.
(Ao contrário dos meus inimigos bestiais,
que desejam a destruição
e os gritos nos porões).  

Porém parte dos votantes, talvez ligados por uma deturpação
do que realmente é comunismo,
talvez ligados por uma lavagem cerebral
de notícias falsas, fabricantes de abismo,
não ligaram: não era com eles,
assim como as minorias ameaçadas
também não eram eles.
Assim, votaram nos meus inimigos,
ao lado daqueles que caíram em um discurso demagogo,
cegos de ódio sem ver que votavam em algo pior.
Outros votantes, simplesmente foram no branco ou nulo,
com diferentes noções do que estava em jogo,
com a indiferença ou a desesperança de mais um tijolo no muro.
E outra parte dos votantes – como eu - estava inteiramente
apavorada, já prevendo uma tragédia ulterior.

Em um segundo momento, vermelhos
eram todos os que, doutos ou leigos,
defendiam qualquer tipo de justiça social,
igualdade ou direitos humanos.
Meus inimigos são tão cruéis que os planos
eram de uma ignorância tão brutal
que tentaram fazer acreditar
que era justificável tirar
direitos dos que mais precisavam
em prol da economia.
Tudo pela economia!

Contudo, eis um spoiler desta triste elegia:
com meus inimigos a economia
só piorou, em níveis estratosféricos.
Em parte, por serem ao mesmo tempo
ignorantes e maléficos
de uma forma que nem o mercado aguentou –
logo o mercado que estava acima das vidas
e valia todo humano lamento! –
e, de outra parte, por descobrirem
que as teorias econômicas redigidas
que acreditavam não funcionam como esperavam:
tiraram direitos e ferraram a economia.
O dinheiro saiu dos CPFs, da saúde e da educação
e foi tanto para um novo velho tipo de corrupção
quanto para um mercado internacional sem coração.

Parece que meus inimigos ignoram as raízes
do subdesenvolvimento, as vezes citando Mises,
mas também não se sabe o  que está oculto:
seria uma conspiração com mais por trás,
ou um golpista antiga vulto
de 1964 ou apenas mais um burro tipo de ladravaz?

Não demorou muito - na verdade,
ainda foi durante as eleições-
para comunista ser,
independente de políticas posições,
qualquer um que por sensatez
fizesse qualquer objeção aos meus inimigos.
Deste modo, a lista ficou gigante e cheia de artigos
científicos de esquerda e de direita
ignorados pelo gado e robôs da ignorância macabra,
que pelo visto não se ajeita.

Meus inimigos tem humor de quinta série B
como nem Dante Alighieri
poderia imaginar ao escrever
o inferno da Divina Comédia,
pois agora vivemos o inferno da Macabra Comédia
onde o desprezo pela vida humana
tem forma de bestantes que fonoclamam
(em um navio naufragante) poder.
Assim, o governo mais parece uma desciclopédia 
em forma de distopia e catástrofe,
onde o câncer da crueldade já entrou em metástase.

Como boa parte do resto do mundo
estamos enfrentamos o mal contagiante
de uma doença pouco democrática
que mata ricos e (mais ainda) pobres.
Uma epidemia que expôs de modo profundo,
de uma forma não tão vista antes,
a grande importância e as problemáticas
- que os jornais as vezes cobrem –
do sistema de saúde e das vidas não muito midiáticas.

O isolamento em nossos tempos de epidemia
é uma luta contra o colapso,
apesar dos altos custos menores que a vida.
Porém, esta brasileira elegia
vem da guerra, já ferida,
desde (antes d)o mês de março,
contra a epidemia e o outro vírus
brutal que são meus inimigos
que estão no poder
e fazem os maiores absurdos
sem sequer temer.

Meus inimigos usurparam os símbolos da Nação
e, como cada vez menos rédea,
a transformaram no inferno de uma Macabra Comédia.
Sem respeitar a Constituição
meus inimigos transformaram quase todos em vermelhos
a serem varridos por política, doença ou mesmo economia.
Meus inimigos agem com incompetência, maldade e zombaria
enquanto os caixões se amontoam, os verdadeiros heróis lutam,
e quase todas as áreas gritam...
[...]