quarta-feira, 2 de junho de 2010

A História de Clarice

Era uma vez Clarice, nascida no reino Inadasis, um belo belo e rico reino. Jardins maravilhosos com plantas cortadas no formato de dançarinas, que dançavam; no formato de animais; que falavam e no formato de seres inomináveis, que faziam suas inominavidades. O céu era hora azul-brilhante-reflexivo, hora rosa-sonhador, hora branco  incandescente, hora azul-escuro-sombrio-misterioso-encantador. O vento as vezes cantava e dançava uma melodia doce, as vezes cantava e dançava uma melodia agressiva e as vezes cantava e dançava uma melodia nem exatamente doce, nem exatamente agressiva nem exatamente alguma palavra existente. Ele só a cantava e dançava e não precisava criar um nome para seu estado de espírito. Era um reino com os mais variados seres, os mais variados lugares e os mais variados viveres.

Ela tinha uma bela mãe um belo pai. Seu reino era constantemente invadido por criaturas perigosas as quais ela, como uma destemida princesa tinha que enfrentar.
Mãe: - Oh não!
           Chegou o oruptalyão
           Com suas labaredas de fogo
           Com a destruição provocada
           Sem esforço
           suas labaredas aladas
           Crueldade que não conhece limites
           Força que não conhece limites
           O que faremos?
           Como vai ficar o reino?
           Como salvaremos?
           Aqueles cujo feito
           Está no coração puro
           Ficarão então em apuros?
           Temos que salvar nosso povo!
           Das garras desse destruidor fogo!

Clarice: Não se preocupe
            Minha querida mãe
            Na coragem do açude
            do coração que nada arranhe
            Eu lutarei com esse monstro!
            Em nome de nosso povo!
            Matarei esse monstro!
            Mesmo que preciso utilizar o osso
            o esqueleto do combate
            do osso que a maldade mate
            E que traga a paz!
            A nosso povo que sempre merece mais!

Em um combate épico com direito a luta, sangue e dor. Clarice vence mais uma batalha. E volta amada por todos. As roupas de seus combates eram de anéis de metal mas sempre estilosas. Neste ela lutou com uma armadura em formas geométricas arco-irizadas e com asas de borboletas, além de sapatos de raios-lazeres.
Lutava com monstros assustadores, com pelos menos 30 metros de altura (mas a média era 134,5 m). Combates energéticos,  orquestrais e tribalíticos. As vezes ela corria tanto que voava. Bradava tanto sua espada que sua espada olhava. Sua espada ganhava vida e falava. Enquanto o céu cantava. A vitória das batalhas era comemorada com uma sinfonia de pássaros e as árvores que  pessoalmente dançavam como cheerleaders e seus galhos formavam a letra da canção que os rouxinóis declamavam-cantando.

Mas seu mais difícil combate estava por vim. Seus pais vieram a ela com uma expressão austera e compreensiva. Sua mãe com a voz mais doce falou:
-Minha filha
 Minha querida filha!
Temos que te enviar
 Para a terra
 E lá você terá
que completar uma missão
 chamada vida
 amanhã será a partida
 Não imaginas como dói nosso coração!
 Mas você nascerá em outro lugar
 serás concebida
 Terá que saber usar
 sua lição de vida
 Mas não se preocupe
 Porque toda noite ao dormir
 Caso o portal do sonhos você use
 Você virá para aqui
 Estaremos com você
 minha querida
 Até o amanhecer.

Seus pais lhe deram um beijo de amor na testa. Clarice estava com seus olhos estupefatos. Mas não havia nada que pudesse fazer. Então se dirigiu ao portal das coisas que na terra iriam nascer. Ela foi concebida. Sua mãe terrestre se chamava Eleonora. Estranhamente muito parecida com sua mãe de Inadasis. Pode-se dizer que Clarice não se lembra muito de seus primeiros 5 anos terrestres. Se lembrava apenas de como se sentiu estranha no seus primeiro dia de escola e como se sentiu aliviada ao voltar a Inadasis a noite; e tambéme algumas imagens abstratas que só as crianças podem ter.

Depois disso até os 12, só lembrava de quando se sentia insegura, deslocada e envergonhada na sua classe escolar. Apreciava a solidão. A solidão pelo menos era compreensiva com ela. Clarice se refugiava na música, nos livros e em Inadasis.

Aos 13 anos, o coração de Clarice sentiu algumas batidas mais fortes. Conheceu seu primeiro amor. Era um garoto sonhador, belo em seus olhos melancólicos e alegres. Tinha as fofocas das nuvens em suas orelhas. Ele e ela teriam tudo para ter dado certo. Mas algo, alguma força, alguma coisa... Seja lá o que for... Simplesmente... era algo que não deveria ser. E o coração do garoto não bateu mais forte por Clarice. Ela não chorou nem gritou. E suas lágrimas secas foram expelidas e aliviadas ouvindo o coral do bater das asas das borboletas de Inadasis cantarem. No dia seguinte estava renovada, com o coração costurado com a linha do sentimento (que não tem nome, mas o sentimento que se tem quando as coisas sofridas passam e viram memórias). Muitas vezes ela preferia estar em Inadasis do que está na terra. Mas sua mãe de Inadasis sempre dizia:
-Não podes passar mais que a noite aqui.
 Ainda tem uma missão a cumprir.
 Te amo minha querida
sempre estaremos aqui
 quando o sono da noite fluir
 virás a mim
Mas quando o sono terminar
 A terra terás que voltar.

 E abraçava-a junto ao amor maternal. E as 6:30 da manhã Clarice voltava, meio a contragosto através do som do despertador, à terra. Morava sozinha com Eleonora, seu pai terrestre a abandonou antes dela vir a terra. Clarice não se importava com isso, Eleonora sempre dizera que antes dela nascer o pai recebera um pacote chamado responsabilidade e como ele não tinha, ele partiu. Mas com 13 anos Clarice já sabia que ele, enquanto namorava Eleonora, simplesmente engravidara Eleonora e não quis assumir Clarice. Ou algo assim. Talvez se possa contar isso de maneira mais dramática ou mais melancólica, ou mesmo dando uma carga de compreensividade ao pai. Mas para Clarice isso pouca importava. Era assim que ela via isso e não pensava muito nisso a maior parte do tempo. Gostava muito de sua mãe terrestre, mas pouco a via, o trabalho a chamava noite e dia, 4 trabalhos ela tinha. Para dar o melhor que pudesse a Clarice.

A adolescência da Clarice... Talvez não seja necessário falar muito sobre isso. Foi meio histérica, meio melancólica, meio depressiva. Ou seja, uma adolescência normal. Diga-se que em suas crises, não via hora do anoitecer, para sonhos em Inadasis ter. As vezes grandes criaturas monstruosas tinha que corajosamente abater. E nos momentos de alegria simplesmente fazia o que seu coração expelia. E em Inadasis suas emoções de novo escapuliam. Foi tudo mais ou menos assim... Mais ou menos assim.

Até que completou 18 anos. Eleonora, com algumas economias fez uma festa para Clarice. No passar pela adolescência Clarice conheceu muitas pessoas, e conseguiu uns poucos amigos e muitos colegas com os quais tinha relações amigáveis. A festa foi alegre, divertida, inesquecível. Não porque tivesse grandes atrações ou fosse em um lugar de grande estrutura. Mas porque os anseios naturais dos jovens ali presentes fizeram o que tinham vontade. Seus corpos dançaram. Suas almas contaram piadas sem graça mas que no momento tiveram muita graça. Clarice estava muito feliz naquela noite. Quando a festa acabou, seus amigos e colegas voltaram para casa. E Clarice e Eleonora estavam fazendo isso também.

Clarice não esperava por aquele rasgo de morte em sua alma viva.

Havia sangue de Clarice no carro. Havia sangue de Clarice nas mãos de Eleonora que em seu instinto materno tentou parar o sangramento.

-Meu Deus!
Minha filha foi baleada!
Como isso foi possível meu Deus?
Uma bala perdida
Bem aqui...
Que isso não tire sua vida...
Se não...
Nunca mais irei sorrir...

Clarice estava em Inadasis. Seus pais estavam novamente austeros. Tudo lá estava silencioso agora. Não haveria nem um exato motivo para tristeza nem um exato motivo para felicidade. Apenas um momento e estar, ser e transformar.A mãe lhe proferiu:
-Oh! Minha querida!
Tivemos que fazer uma terrível escolha.
Agora tens sua vida.
Mas esta é a última vez que vens para aqui
Para salvarmos você
do rasgo da morte
Tivemos que banir
sua alma daqui
Para que seu corpo não recebesse a morte
Nunca mais poderemos te visitar em seus sonhos
Nunca mais nos verás em seus sonhos
Na terra você ficará
E torceremos para que lá
de algum modo salva e feliz você estará.

 Clarice chorou, chorou e chorou. Abraçou cada habitante de Inadasis pela última vez. E quando foi abraçar e beijar sua mãe de Inadasis pela última vez, esta proferiu para consolar:

- Não se preocupes meu amor
 Algo daqui continuará em seu coração
 Mesmo que a vida faça esquecer, quase sem dor
 o que aconteceu aqui, em seu coração
 Algo daqui estará com você
 Meu amor, mesmo que as lembranças não durem até o amanhecer
Algo, sem memória (talvez um sentimento) daqui estará com você.

Ao acordar, estava com Eleonora em um hospital. Sua mãe estava com um sorriso de alívio. Abraçaram-se.

Diz-se que a partir desse dia. Clarice ficou de algum jeito mais fria. Não seu sorriso, não seu coração, mas sua alma. Diz-se que ela deixou seu lado sonhador depois do tiro da realidade. Em Inadasis matava monstros, dragões e muito mais seres perigosos e fantásticos. Mas na terra não resistiu a bala que nem a ela era destinada. Alguns falam que  a partir daquele dia ela ficou mais chata e previsível. Outros que ela ficou mais séria. Outros que algo nela mudou, mas que não sabiam o que. Outros que ela ficou "normal".

Mas alguns falam que ela simplesmente virou uma adulta.

Um comentário:

  1. Simplismente espetacular!!!! Fantástico como a fantasia que o permeia e duro como a realidade que o circunda. Profecia da dor de ser real. Gostei dos experimentalismos...
    Beto Brito

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